quinta-feira, 27 de maio de 2010

De ter uma alma cubana


Eu não sei de onde veio. Nem como começou, nem porque. Só sei que foi assim. Uma hora me dei conta de que gostava muito de Cuba. Isso já faz tempo. Acho que foi no colegial. Interessava-me pela história, pelas pessoas, pela cultura. Pelo fato de ser uma país entre poucos que viviam em um mundo à parte. Acho que eu tinha uma alma vermelha na época, iludida, sonhadora.

Eu prometi a mim mesma que Cuba seria a primeira viagem que faria quando tivesse meu próprio dinheiro. Uma alma vermelha não iria pra Cuba bancada por alguém. E assim foi.

Em 2007, desembarquei no aeroporto de La Habana, em minha pela primeira vez fora do Brasil, para passar 3 semanas na casa de uma família cubana e poder aproveitar o máximo que pudesse do que o país tivesse para me oferecer.

Melhor impossível.

OK, eu não tinha viajado nada antes, então tudo que viesse seria ótimo. Mas, ainda assim, eu viajei bastante depois disso, e Cuba continua no primeiro lugar do pódio.

É claro que entram aí causas sentimentais. Eu já nutria uma atração pela ilha e isso só aumentou convivendo com seu povo absurdamente simpático e apaixonante. Gente culta, que te surpreende por saber coisas que às vezes nem você sabe direito. Não porque eles não poderiam saber mais que eu sobre o Brasil, o Lula, ou o Roberto Carlos, mas porque eles só têm 4 canais de televisão e todos os jornais são feitos pelo governo. A informação é um tanto quanto limitada, por assim dizer.

Mas Cuba é apaixonante pelo que é e pelo que não é. Pelo sorvete pelo qual todos são fanáticos (morango ou chocolate), pelo cinema a centavos, pelo balé e pelo esporte, pela medicina, pela suposta (bem suposta) igualdade. Pra mim é orgulho porque lutou contra algo que ia contra sua natureza, que fazia mal para sua população. O que veio depois disso, a forma como foi governada, as medidas que foram tomadas, absolutamente questionável.

Na minha aula de espanhol, ouvia arrepiada minha professora contar de como ajudou a acabar com o analfabetismo na época da Revolução, enquanto chamava Fidel de companheiro, com propriedade. Eu me sentia perto de uma heroína, de alguém que tinha lutado por seus sonhos, pelo que considerava justiça.

Senti orgulho de saber que eles não tinham aceitado a invasão norte-americana e suas restrições, e tinham imposto sua personalidade, sua vontade.

Essa noite eu revivi muito disso. Das surpresas de viver, ainda que por pouco tempo, em um lugar tão distinto, das emoções que vivi enquanto estive ali. Da saudade do lugar, das sensações, dos sentimentos, das pessoas. Da vontade de que aquilo tivesse dado certo e fosse um caminho a ser seguido.

Da vontade de poder ver, como ali, todas as crianças de uniforme, indo pra escola, e de encontrar, em cada esquina, alguém que faça música por amor, por paixão, por talento. Em Cuba, eu encontrava um atrás do outro. E o Buena Vista Social Club é um conjunto dos melhores, sem dúvida. E olha que são muitos os bons. Muitos.


Estou de alma lavada. E quero voltar a Cuba.


segunda-feira, 24 de maio de 2010

De bicicleta rumo ao paraíso: Formentera






A primeira vez que vi essa ilha nem sabia se existia de verdade. Foi há uns 5 anos, imagino, vendo o filme "Lucia e o Sexo". Por acasos do destino, revi a película este ano em companhia das minhas inseparáveis amigas de Barcelona e então descobrimos que o paraíso que servia de cenário era a ilha de Formentera, localizada a curta distância de Ibiza e, por consequência, de Barcelona.

Com a previsão de calor chegando, marcamos nossa passagem e reservamos hotel com destino ao paraíso. Assim imaginávamos. Mas a palavra "paraíso" pode ser trocada por "absurdo", porque na verdade a beleza de Formentera é indescritível.

Uma ilha praticamente selvagem onde só se chega em barco e é proibido acampar, onde se estimula que as pessoas andem em bicicleta e onde as praias são em sua maioria, grandes desertos de areia branca banhada por água azul, transparente, de emocionar ao olhar.

Em suas areias, nos deitamos e ouvimos o silêncio, agradecemos pela vista tão especial e tentamos falar baixo (principalmente eu) para respeitar o momento de cada um à beira do mar. O silêncio é a trilha sonora de Formentera.

Hippies, gente completamente nua, gente desapegada de maiores confortos, gente disposta a curtir a natureza. Foi o que fizemos. Em bibicleta, chegamos a uma ponta da ilha, à outra, chegamos ao agujero. Também cenário do filme, é um buraco no chão de uma parte alta da ilha, de onde se pode chegar a uma pequena caverna e ter uma visão incrível da imensidão do Mediterrâneo circundando a ilha.

Em um momento como esse, nos sentimos pequenas, infinitamente pequenas, diante de tamanha beleza. E constatamos como existem rincões no mundo a serem explorados e desfrutados, se os conservamos. Formentera é bem cuidada. É sem igual. Tem, além de beleza, uma energia especial que te relaxa e te faz sentir realmente em outro planeta. Até ETs acreditamos ter visto, mas isso é tema para outro post...

Hasta luego, Formentera. Vales imensamente la visita!


terça-feira, 18 de maio de 2010

Do repertório e sua repercussão

Começo a escrever mesmo sem saber o que segue. Só deu vontade e me senti em dívida com o pobre blog, aparentemente deixado de lado. São os trabalhos e os trabalhos. E as viagens também, confesso, e as distrações do dia a dia. Não sou de ferro e esse deveria ser meu ano sabático, ok.

Daí vem a reflexão. Do repertório. É mais ou menos sobre como só encontramos graça nas coisas que nos fazem referência em algo. Digo isso porque vivo em mundos muito diferentes. Mas quase sempre foi assim. Desde que morava em Borborema e não me identificava com as "amiguinhas" das festas de trabalho do meu pai. Não queria socializar e ponto.

Quando saí de casa, enfrentei isso de leve. Não tinha com quem fazer brincadeiras com coisas do passado, ninguém entendia. Em São Paulo, ainda mais. Numa época, fazia pesquisas sobre como alguém dizia pano de prato (no interior em geral se diz guardanapo) ou se alguém sabia o que era errorex (o famoso branquinho). Enfim, aos poucos fui formando novas referencias e as piadas começaram a existir, uma vez mais.

Assim também no meu ex-trabalho, onde fazia um monte de brincadeiras que hoje já não fazem quase sentido, mas que eu insisto em continuar fazendo. Agora me deparo com outro desses: trabalho num ambiente absolutamente catalão, o que significa que não entendo muito mais da metade do que eles falam. E não tenho vontade de entender, o que é pior. Enfim, vivo apartada. E o mais raro, não me preocupo.

Em compensação, tenho com minhas amigas de Barcelona piadas que só nós entendemos. E já começo a me preocupar que quando quiser fazê-las ninguém vai entender... Enfim, encontraremos outras.

Afinal, essa minha vida tem sido a arte de intercalar estilos abolutamente nada a ver e conseguir sair-me mais ou menos bem em todos eles. Afinal de contas, um ano de vida na Europa não tem muito a ver com minha vida em Borborema. Nem pegar um busão cheio de baratas pra ir trabalhar na Daslu. Ou comprar uma saia em promoção na C&a pra um evento do cliente chiquetoso no Fasano.

Um sábio amigo já me dizia que o bom de vir de baixo é que é muito mais fácil se adaptar ao mundo de cima. E que o contrário é quase impossível. Acho que concordo.







domingo, 2 de maio de 2010

Como minha Melissa foi parar no trilho do metrô

A vítima

"Mira, mira!"

Marcela Chacur, depois de ver minha sapatilha caída no trilho do metro, dois minutos antes do trem chegar, para um grupo de catalães que ela enxergou como a esperança de resgate.

"O trem tá chegando, o trem tá chegando!"
Eu, desesperada, depois que um dos catalães não pensou duas vezes e pulou na linha do trem para salvar a sapatilha de ser esmagada e de possivelmente causar um problema no metro.

"Como foi que eu não registrei isso? Onde foi parar minha veia jornalística?"
Adriana Moreira, indignada por não ter sacado fotos da sapatilha abandonada justo em cima do trilho do metro, nem de registrar a minha pessoa com cara de choro repetindo: "Vai amassar minha sapatilha, vai amassar minha sapatilha" e nem do semblante de herói do menino catalão depois que seus amigos o puxaram pelos braços de lá de baixo. E a galera aplaudiu.


Tentando o salto


Tudo aconteceu assim. Chegamos à estação. Faltava pouco mais de dois minutos para o trem chegar. As meninas queriam tirar fotos da minha imitação furada do salto do Chaplin. Aquele em que ele paula de ladinho e encosta um pé no outro. É sempre uma atração à parte. Tentei em Portugal, em Milão, na Barceloneta, nas Ramblas, em todo lugar onde haja um mínimo de espaço e platéia. Não consigo. E é ridículo. Consequência: diversão garantida.

A proposta: vamos tirar uma foto do seu pulinho de Charles Chaplin. No metrô. OK. Várias tentativas. Fotos borradas. Última vez. Pego embalo. Me empolgo. Corro. Salto. E vejo a sapatilha efetuar alguns giros no ar antes de cair, placidamente, em cima do trilho do trem. Enconsto na parede, inconformada. Escondo uns furos da minha meia. Nem passa pela minha cabeça saltar nos trilhos. São quase 3h da manhã. Nenhum funcionário do metrô à vista. Chega um grupo de catalães borrachos. Marcela pede ajuda. O menino não titubeia. Pula. E não volta. Celebra lá embaixo. E eu vejo a luz do trem. Desespero. Parece cena de filme. Ele é arrastado para cima por seus amigos. E eu agradeço imensamente.

Obviamente, depois de agradecimentos e risadas, veio a pergunta inevitável: como você fez pra jogar a sapatilha no trilho do trem? E, depois de contar a história, seguimos em grupo para trocar de metrô. Todos tentando conseguir fazer o famoso pulinho. Eu só fiquei olhando. E rindo.



Os heróis. O de jaqueta de couro e olho torto foi o corajoso que pulou.